Quando se fala em cangaço, o
personagem mais lembrado é aquele considerado o maior deles, o primeiro sem
segundo, o intrépido e temível Lampião. Todavia a história nos mostra que
outros abriram o caminho para que ele passasse e reinasse praticamente
incólume, sem que fosse abatido. Mas a história deixa as suas marcas e os
historiadores poetas ou poetas historiadores estão sempre em busca destas para
inovar sua arte, criar novas obras, encantar seus leitores. O cangaço de fato é
um dos assuntos preferidos do cordel, mas não o único, pois a literatura é
abrangente, está em busca dos mais simples aos mais complexos dramas humanos.
É o caso do cordelista natalense
Nando Poeta radicado em São Paulo há cerca de cinco anos e que espalhou a sua
poesia para o Brasil. Chegou tímido na Luzeiro buscando ler os clássicos dos
cordéis brasileiros. Mas o seu apelido - Poeta, somado à sua história de vida
que inclui engajamento nos movimentos sociais, aos poucos se tornaram um
convite para lançar as redes em águas mais profundas no mar gigantesco do
cordel. E ele seguiu um conselho interessante: “não tenha medo”. Corajoso,
arriscou-se a escrevinhar as primeiras estrofes. De uma humildade singular,
virtude nem sempre presente na maioria dos escritores, foi mostrando seus
versos aos amigos que tem em boa parte do país. Os verdadeiros o incentivaram e
corrigiram, os falsos elogiaram, os orgulhosos o mandaram parar e seguir no
sindicato, os bondosos o abraçaram e o cordel mandou que ele seguisse lendo
Leandro Gomes de Barros, José Camelo de Melo entre tantos outros gênios dessa
arte secular.
O mundo vivia o auge da crise
financeira e em pouco tempo estava pronto o primeiro trabalho de sua
verve, A Turbulência Econômica. E começava bem, pela maior e mais
importante editora de cordel do Brasil, a Luzeiro, sonho de todo poeta que
conheceu o gênero através de suas publicações. Em poucos meses, graças ao engajamento a edição se esgotara, pois os
sindicatos acolheram sua obra e a partir dela promoveram importantes debates.
Mas o potiguar ousado percebeu que havia uma lacuna a ser preenchida no meio de
outras categorias; foi quando homenageou as mulheres em Mulheres em
luta; depois os trabalhadores com O primeiro de maio, e em seguida,
sonhou longe querendo a construção de
uma nova central sindical de luta publicando então, A arte de lutar.
O sociólogo Nando sabe da
importância do estudo e por isso buscou conhecer mais e melhor a história do
cordel, seus autores, suas influências, o meio em que viveram e as condições em
que espalharam sua poesia. Partindo deles também espalhou a sua. Após a
experiência acumulada lança agora um trabalho a respeito do Jesuíno Brilhante,
um homem bem sucedido em sua época, mas que resolveu trilhar pelo cangaço,
deixando que a vingança e a violência dominassem o seu coração.
Depois de ler quase tudo que se
referisse ao cangaceiro, é assim que Nando o apresenta:
Jesuíno Alves Brilhante,
Agricultor, fazendeiro,
Um homem bem-sucedido
Laçador e bom vaqueiro.
Mas querendo se vingar
Passou a ser cangaceiro.
Escrever sobre Jesuíno tornou-se
um desafio, já que pouco se contou sobre ele. Mas o poeta cônscio de sua arte
não o teme. É feito o garimpeiro que busca a pedra mais preciosa. Nestas
estrofes encontraremos a intrepidez e a coragem de um cangaceiro que enxergava
à frente do seu tempo. Homem que respeitava as mulheres, dando-lhes voz, vez,
espaço e respeito.
Para entrar no seu bando,
Cumpriria o mandamento:
Não tocar no que é alheio,
Mulher, só no casamento.
Todos os membros que entrassem
Faziam esse juramento.
Roubar era de fato proibido ainda
que fosse para servir ao bando. Mesmo entre os violentos existem regras a serem
cumpridas. Mas viver à margem da lei e da ordem tem seu preço e com Jesuíno não
fora diferente. A perseguição e a espada, a bala e o punhal estavam em seu
encalço e por conta da sua rebeldia terminou tombando pelo poder constituído. O
Estado só não tem força maior que o povo, pois este, caso queira, poderá
desestruturá-lo. Todavia, no caso de Jesuíno era apenas ele o seu bando.
Aqui, Nando Poeta conduz o leitor
a conhecer a saga de um dos mais importantes cangaceiros da história. Boa
leitura.
Varneci
Nascimento
São
Paulo – novembro de 2012.
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