segunda-feira, 15 de novembro de 2021


 DO FASCÍNIO AO FASCISMO

 Desde o ano de 2018, ao ver se desenhar o quadro político brasileiro, comecei a escrever o poema que dá nome a este livro. Após ter terminado, juntei-o com outros títulos já escritos sobre a temática. Desde então, trabalhei-os e ao senti o texto pronto, busquei uma editora que topasse fazer o lançamento. Encontrei a Alameda, com sua linha editorial definida e forte no campo político esquerdista.

É sempre salutar lançar algo novo, ainda mais discutindo temas tão relevantes, como é o caso deste, que aborda assuntos presentes no quotidiano. O Brasil, infelizmente flerta com tantas coisas perigosas e o autoritarismo parece agradar aos detentores do poder na atualidade. Como a partir do golpe de 64, onde os poetas e artistas denunciavam as arbitrariedades da época, não podemos nos furtar do debate, sob pena de nos tornarmos cúmplices da barbárie. Apesar de não sermos ainda uma ditadura, fomos retirados da lista de países plenamente democráticos, por organismos internacionais. Começa discutindo e denunciando nas estrofes a seguir:

 

Pensava que este Brasil

Fosse um mar de civilismo,

Mas de repente a loucura

Misturada ao barbarismo

Trouxe a nuvem nebulosa

Do fascínio ao fascismo.

 

Vimos dois mil e dezoito

Com a polarização

Causar a maior fissura,

Nas bases desta nação,

Entre milhões de patrícios

Estrondosa divisão.

 

A maior onda de ódio

Espalhou-se abertamente

A ferocidade atrás,

A intriga pela frente

Liderada por um homem

Pusilânime, prepotente.

 

A obra bebe na tradição do cordel brasileiro, criado pelo paraibano Leandro Gomes de Barros que sempre abordou as temáticas políticas. Acredito na potência da literatura para derrotar a onda fascista que se abateu sobre nosso país. Sob este prisma, teremos muito o que discutir e a poesia é arma poderosa, fala ao coração, toca na alma, expõe as vísceras, provoca a sociedade, denuncia injustiças, grita a favor dos sofridos, reclama das atrocidades dos detentores do poder. Sigamos sem medo, se achegue, invista na sua formação, prestigie a cultura, aplauda este gênero literário. No livro temos poemas como este abaixo:

 

Se você pouco acredita,

Vá estudar o passado,

Conversar com um torturado,

Vítima daquela desdita.

Conheça a trama maldita

Por trás da pesada agrura.

Veja quanta desventura

Enfrentar tamanho monstro.

Enquanto viver, demonstro,

Nunca mais a ditadura.

 

Em honra de quem partiu,

Em nome de quem ficou!

Na militância escapou

Do carrasco que agrediu!

Faço por quem se feriu

Protegendo uma criatura,

Visando a nação futura

Arriscou a sua cabeça,

Para que ninguém esqueça:

Nunca mais a ditadura.

 

Ninguém é neutro em nada, cada decisão é uma opção política e sempre fiz questão de deixar a minha produção poética clara para não restar a menor dúvida de quem a poesia está a serviço. Nas mais de oitenta obras publicadas e com duzentos e trinta mil exemplares vendidos sempre me mantive do lado dos oprimidos.

A xilogravura da capa é da brilhante Nireuda Longobardi,

quinta-feira, 1 de julho de 2021


ENTRE LÁGRIMAS E SORRISOS

 

Apresentação

 

Descobri o poeta Varneci Nascimento, a “Autarquia do Cordel”, na internet, graças ao meu interesse pelo cordel. Me divertia com seu bom humor. Para refletir e gargalhar foi o seu primeiro livro que li. Seguindo o mesmo caminho, o presente livro também traz poemas que passeiam por entre a dor e o humor, a reflexão e a alegria.

Circula por diversos cenários, onde tragédias, dramas e comédias se alternam, dialogando com temas como: ecologia, preconceito ou cenas do cotidiano das grandes cidades. Questionei-o se este paralelo era recorrente em sua obra. Respondeu-me que não. Mas ao iniciar a leitura do cordel de sua autoria, chamado O martírio de uma mãe pelo filho drogado, de 2011, qual não foi a minha surpresa ao ler a primeira estrofe:

 

Nossa vida é um teatro

Com espetáculo diverso

É drama de riso e lágrima

Onde o ser humano, imerso

Neste palco fascinante,

Desenha seu universo.

 

No terceiro verso se lê: “É drama de riso e lágrima”. Aqui se anunciava um caminho que ainda estaria por vir, embora ele ainda nem soubesse disso.

Neste livro, ele trata de assuntos atualíssimos que lhe ferem fundo na alma, como o fato de ser “migrante”. Aqui ele se posiciona em lados opostos: ora, fala do preconceito, neste caso, contra o nordestino oriundo da zona rural, na cidade grande; ora fala da aculturação deste mesmo indivíduo que apaga sua própria história, na vã tentativa de ser aceito nessa terra estranha e rude, inclusive num mesmo poema, como poderemos ver em A rudeza terrível da cidade, que diz:

 

Carregava o mais simples coração,

Mas, assim que notaram meu sotaque,

Padeci como vítima de achaque

Pelos membros da nova região.

Inclusive, pessoas do meu chão,

Por vergonha, escondem sua cultura,

Pois abraçam a péssima postura

De negar sua própria identidade.

A rudeza terrível da cidade

Tem tirado meu resto de ternura.

 

Também nos mostra homenagens a pessoas que lhe foram e são especialmente caras, uma delas, sua própria mãe, nos dando conta da corajosa batalha frente a doenças, descrita no poema Da fortaleza ao declínio e as perdas de Gregório Nicoló, proprietário da Editora Luzeiro que, enxergando seu talento como cordelista, lhe estendeu a mão, levando-o para trabalhar a seu lado, e por fim, seu querido Tio Belo, com quem mantinha uma relação filial e que perdeu a luta para a covid 19. São poemas escritos com a tinta do afeto e da gratidão.

Caminha com desenvoltura por temáticas de cunho político-social e ecológicas (nas quais alterna reflexões e humor, inclusive num mesmo poema, como é o caso de Pare de chupar e aqui não darei nenhuma dica do que está por vir. Leia e tire suas próprias conclusões). Trata dos desastres ambientais de Mariana e Brumadinho (ambos em Minas Gerais), como de fato o são: crimes ambientais, e não acidentes como a grande mídia entendeu de chamar.

No humor, em dados momentos, me remeteu às chanchadas brasileiras ou aos espetáculos de circo que passavam na minha, outrora, pequena cidade sertaneja. Um humor sem amarras ou qualquer compromisso com o politicamente correto. Como é o caso dos poemas Sexo segundo as profissões e Todo velho quando mija. Mas é na crítica social que sua poesia se mostra grande, certeira. Um discurso forte, politizado, ao lado do oprimido e contra toda ordem de repressão e autoritarismo.

Em dados momentos, os poemas se travestem em denúncias, como é o caso de Feminicídio, Invisíveis do mundo e Filmem mesmo os professores. São 31 poemas escritos em linguagem cordelística. O autor presenteia os estudiosos e pesquisadores do cordel com uma rica e agradável aula, mostrando diversas formas estróficas: sextilhas, setilhas, oitavas, nonas, décimas, em redondilhas maiores ou decassílabos, com ou sem mote (se apropriando de formas usuais da cantoria de viola), como podemos ver de modo específico numa setilha com mote no primeiro verso e numa forma irregular com 12 versos, contendo um mote de 4 linhas, satisfazendo o mais exigente dos leitores.

Destaco mais dois poemas: o que dá título à obra, Entre lágrimas e sorrisos, cujo cenário principal são as salas e enfermarias dos hospitais lotados; e as redes de solidariedade que levam o pão do corpo e da alma a tantos esquecidos pela sociedade. Onde poderemos ler:

 

(...)

Vê-se em local de tristeza,

Gente doando alegria.

Levando o pão para a mesa

De quem não tem, todo dia.

 

E O tempo, que nem fala de lágrimas nem de sorrisos. A palavra “tempo” se repete em praticamente todas as linhas, imprimindo ritmo ao poema. O ritmo do relógio. O ritmo do tempo. O poeta faz uso da anáfora de modo a nos prender a estes versos, nos dando vontade imediata de decorá-los, para sair declamando e fazendo bonito pelos saraus da vida. Leiam, se possível, em voz alta:

 

O tempo finge dar tempo,

O próprio tempo lhe toma.

Seu tempo é subtraído

Na conta que o tempo soma.

O tempo bota o tempero,

No mínimo ou no exagero.

O tempo põe seu aroma.

 

É um poema forte como uma pedra de amolar e leve como uma pluma de rosa-cera, levada pelo vento quente neste sertão de meu Deus.

Desejo que o leitor viva bons momentos na companhia destes poemas.

 

Anita Alves

Arquiteta, nordestina e sertaneja, amante dos livros, dos cordéis e de toda manifestação cultural vinda do povo.

Caicó, RN, São João de 2020


Serviços:

Editora Areia Dourada

Pix: varneci@gmail.com

Valor: R$ 39,00

Link: https://pag.ae/7XeRa-99t

Frete grátis

 

 


sábado, 8 de maio de 2021

MAMÃE: DA FORTALEZA AO DECLÍNIO

Hoje já são oito dias da partida da melhor rosa do meu jardim e amanhã será meu primeiro dias das mães sem mamãe. Fiz o poema abaixo para ela, que sairá no meu próximo livro ENTRE LÁGRIMAS E SORRISOS. Parabéns para todas as mães e pra mamãe também, que continua mãe lá do céu.

 



MAMÃE: DA FORTALEZA AO DECLÍNIO

 

Sou penúltimo na prole da grandeza

Da mulher de catorze gestações.

Onze vivos, mas, três, a Natureza

Carregou para outras dimensões.

Corajosa, criou todo esse time.

O cuidado por todos se exprime.

Na batalha, Mamãe foi tão sublime,

Que venceu os diversos furacões.

 

O trabalho na roça, as plantações,

Permitiram a fartura de alimento.

No terreiro, diversas criações

Garantiam no bolso algum provento.

Preocupada com roupa, casa, escola,

Sem deixar se perder, nem cheirar cola.

Como pobre, nenhum pediu esmola.

Com papai arrumou nosso sustento.

 

Essa dama de fibra, cem por cento,

É mulher, soberana, absoluta.

Sem deixar nenhum filho ao relento,

Protegia-os de toda má conduta.

Numa olhada, impunha disciplina.

Rédea curta ao menino e à menina:

— “A criança daqui não se domina”,

Era a fala daquela mãe matuta.

 

Com o jeito, às vezes, de astuta,

Na maneira severa de educar.

A pro forma corrente, meio bruta,

Revelava-se tão peculiar.

Quem errasse, sofria a punição.

Começava buscando o cinturão,

Só batia fazendo a narração,

Explicando porque disciplinar:

 

— Essa surra que agora vai levar,

É por conta daquela safadeza.

Nunca mais você tente me enrolar,

Nem me venha mostrando esperteza,

Ou tentar descumprir advertência,

Incorrer nessa brusca displicência.

É melhor educar a consciência,

Ao invés, de apanhar pela brabeza.

 

Na cabeça, sobrava uma clareza,

Que qualquer filho deve obediência.

Educando, mostrou muita destreza,

Apontando o caminho, a coerência,

O limite, ensinado no respeito.

Residindo na roça, fez direito.

A medida aplicada, fez efeito,

Pois nenhum mergulhou na delinquência.

 

Pela luta arrojada, com frequência,

Teve a vida deveras desgastante.

A mulher lutadora por essência,

Pelo tanto de vezes que gestante,

Certamente rendeu alguma sequela.

A doença, aos poucos, chegou nela.

No pretérito, viveu como gazela,

Hoje, fica mais fraca a cada instante.

 

Cansativo, doído, angustiante,

Quando vi minha rocha, fraquejar.

Nosso tempo se faz de assaltante,

Pois, seu físico robusto, veio roubar.

Dor nos pés, nos braços e catarata.

Alguém pode dizer “isso não mata!”

Mas, o lúpus, moléstia muito ingrata,

Nunca mais permitiu-lhe sossegar.

 

Sua idade chegando, fez chegar

Diferenças no corpo sem demora.

Sente o fígado ou o rim sinalizar

Que o tempo é o mestre da piora.

Você vê sua mãe chorar de dor.

Na doença, o remédio do amor

Não parece trazer nenhum valor

Para a cura urgente da senhora.

 

Rezei tanto, pedindo uma melhora,

Suplicando a Deus por sua cura.

Se a resposta não vem, a gente chora.

E se vem, normalmente é muito dura.

O silêncio tremendo, resoluto,

Dessa árvore bendita, sou um fruto.

A cabeça, padece num minuto,

Sem saber quanto tempo a mãe perdura.

 

A fraqueza constante, já procura

Abrigar-se com a senilidade.

Com os anos, se perde essa estrutura

E se ganha maior fragilidade.

Em mamãe, quase sempre vejo isto.

Pela força gigante dela, insisto

Em pedir um milagre a Jesus Cristo,

Porque, mãe padecer, acho maldade.

 

Lavradora de credibilidade,

Enfrentou o trabalho mais pesado.

Da labuta fez sua identidade;

Da peleja, um marco do passado.

A mulher de coragem inconteste,

Enfrentou intempéries no Nordeste.

Porém, hoje, uma escada é um teste,

Que subi-la é negócio complicado.

 

Essa fera, indomável no passado,

No presente, está sem habilidade.

Seu cozido gostoso e temperado

Engordava qualquer uma beldade.

É difícil olhar para a senhora,

Diferente dos tempos de outrora.

Energia, aos poucos indo embora,

E trazendo maior fragilidade.

 

Normalmente, aos setenta de idade,

Nosso corpo é propenso a doença.

Minha mãe sofreu tanta enfermidade.

Pela vida lutou de forma intensa,

Enfrentou os percalços do roçado,

Destemida no cabo do machado.

Sem sonhar como pagaria dobrado,

Recebendo essa estranha recompensa.

 

Minha mente há tempos vive tensa,

Os meus olhos só fazem irrigações.

O acúmulo do tempo nos imprensa

A trazer mais cansaços e aflições,

Pois além de ser filho, virei fã.

Vejo nela o vislumbre do amanhã,

A mulher que de fato é tão cristã,

Porque vive sofrendo humilhações?

 

Procurando tirar suas tensões

Para o tempo de vida que lhe resta,

Sem sentir as reais preocupações,

Esquecendo qualquer tipo de aresta.

Tentarei proclamar tanta virtude,

Compensando essa falta de saúde,

Desejando uma vida em plenitude

E fazer desses anos muita festa.

 

Pela honra dessa mulher modesta,

Faço tudo que esteja ao meu alcance.

De caráter, sincera, justa, honesta,

Personagem do meu melhor romance,

Seguirei como o trem persegue o trilho,

Imitando a firmeza, valor, brilho.

Agradeço a Deus por ser seu filho,

Pela benção de ter tamanha chance.

 

Varneci Nascimento