sexta-feira, 19 de agosto de 2022

ENTRE LÁGRIMAS E SORRISOS GANHA NOVA EDIÇÃO


 

Apresentação

 Descobri o poeta Varneci Nascimento, a “Autarquia do Cordel”, na internet, graças ao meu interesse pelo cordel. Me divertia com seu bom humor. Para refletir e gargalhar foi o seu primeiro livro que li. Seguindo o mesmo caminho, o presente livro também traz poemas que passeiam por entre a dor e o humor, a reflexão e a alegria.

Circula por diversos cenários, onde tragédias, dramas e comédias se alternam, dialogando com temas como: ecologia, preconceito ou cenas do cotidiano das grandes cidades. Questionei-o se este paralelo era recorrente em sua obra. Respondeu-me que não. Mas ao iniciar a leitura do cordel de sua autoria, chamado O martírio de uma mãe pelo filho drogado, de 2011, qual não foi a minha surpresa ao ler a primeira estrofe:

 Nossa vida é um teatro

Com espetáculo diverso

É drama de riso e lágrima

Onde o ser humano, imerso

Neste palco fascinante,

Desenha seu universo.

 No terceiro verso se lê: “É drama de riso e lágrima”. Aqui se anunciava um caminho que ainda estaria por vir, embora ele ainda nem soubesse disso.

Neste livro, ele trata de assuntos atualíssimos que lhe ferem fundo na alma, como o fato de ser “migrante”. Aqui ele se posiciona em lados opostos: ora, fala do preconceito, neste caso, contra o nordestino oriundo da zona rural, na cidade grande; ora fala da aculturação deste mesmo indivíduo que apaga sua própria história, na vã tentativa de ser aceito nessa terra estranha e rude, inclusive num mesmo poema, como poderemos ver em A rudeza terrível da cidade, que diz:

 

Carregava o mais simples coração,

Mas, assim que notaram meu sotaque,

Padeci como vítima de achaque

Pelos membros da nova região.

Inclusive, pessoas do meu chão,

Por vergonha, escondem sua cultura,

Pois abraçam a péssima postura

De negar sua própria identidade.

A rudeza terrível da cidade

Tem tirado meu resto de ternura.

 Também nos mostra homenagens a pessoas que lhe foram e são especialmente caras, uma delas, sua própria mãe, nos dando conta da corajosa batalha frente a doenças, descrita no poema Da fortaleza ao declínio e as perdas de Gregório Nicoló, proprietário da Editora Luzeiro que, enxergando seu talento como cordelista, lhe estendeu a mão, levando-o para trabalhar a seu lado, e por fim, seu querido Tio Belo, com quem mantinha uma relação filial e que perdeu a luta para a covid 19. São poemas escritos com a tinta do afeto e da gratidão.

Caminha com desenvoltura por temáticas de cunho político-social e ecológicas (nas quais alterna reflexões e humor, inclusive num mesmo poema, como é o caso de Pare de chupar e aqui não darei nenhuma dica do que está por vir. Leia e tire suas próprias conclusões). Trata dos desastres ambientais de Mariana e Brumadinho (ambos em Minas Gerais), como de fato o são: crimes ambientais, e não acidentes como a grande mídia entendeu de chamar.

No humor, em dados momentos, me remeteu às chanchadas brasileiras ou aos espetáculos de circo que passavam na minha, outrora, pequena cidade sertaneja. Um humor sem amarras ou qualquer compromisso com o politicamente correto. Como é o caso dos poemas Sexo segundo as profissões e Todo velho quando mija. Mas é na crítica social que sua poesia se mostra grande, certeira. Um discurso forte, politizado, ao lado do oprimido e contra toda ordem de repressão e autoritarismo.

Em dados momentos, os poemas se travestem em denúncias, como é o caso de Feminicídio, Invisíveis do mundo e Filmem mesmo os professores. São 30 poemas escritos em linguagem cordelística. O autor presenteia os estudiosos e pesquisadores do cordel com uma rica e agradável aula, mostrando diversas formas estróficas: sextilhas, setilhas, oitavas, nonas, décimas, em redondilhas maiores ou decassílabos, com ou sem mote (se apropriando de formas usuais da cantoria de viola), como podemos ver de modo específico numa setilha com mote no primeiro verso e numa forma irregular com 12 versos, contendo um mote de 4 linhas, satisfazendo o mais exigente dos leitores.

Destaco mais dois poemas: o que dá título à obra, Entre lágrimas e sorrisos, cujo cenário principal são as salas e enfermarias dos hospitais lotados; e as redes de solidariedade que levam o pão do corpo e da alma a tantos esquecidos pela sociedade. Onde poderemos ler:

 (...)

Vê-se em local de tristeza,

Gente doando alegria.

Levando o pão para a mesa

De quem não tem, todo dia.

 E O tempo, que nem fala de lágrimas nem de sorrisos. A palavra “tempo” se repete em praticamente todas as linhas, imprimindo ritmo ao poema. O ritmo do relógio. O ritmo do tempo. O poeta faz uso da anáfora de modo a nos prender a estes versos, nos dando vontade imediata de decorá-los, para sair declamando e fazendo bonito pelos saraus da vida. Leiam, se possível, em voz alta:

 O tempo finge dar tempo,

O próprio tempo lhe toma.

Seu tempo é subtraído

Na conta que o tempo soma.

O tempo bota o tempero,

No mínimo ou no exagero.

O tempo põe seu aroma.

 É um poema forte como uma pedra de amolar e leve como uma pluma de rosa-cera, levada pelo vento quente neste sertão de meu Deus.

Desejo que o leitor viva bons momentos na companhia destes poemas.

 

Anita Alves

Arquiteta, nordestina e sertaneja, amante dos livros, dos cordéis e de toda manifestação cultural vinda do povo.

Caicó, RN, São João de 2020


Capa de Rodrigo Eli

 

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