Há
algum tempo li um cordel intitulado A peleja de Aloncio com Dezinho.
Fiquei entusiasmado com a possibilidade de ver as pelejas voltando às raias do
cordel. Surpreendi-me mais ainda porque aquela não era uma peleja tradicional,
como nós conhecemos, retratando o ambiente de uma cantoria, com dois cantadores
disputando proezas e trava-línguas. Transcendia a tradição e apresentava, em um
trabalho poético-antropológico, um mecanismo social conhecido como batalhão, praticamente desaparecido da região de
Banzaê, cidade do norte da Bahia.
O motivo do batalhão era um
mutirão de homens que escolhiam a roça daquele mais precisado para capinar e
preparar a terra para o cultivo de uma lavoura. A motivação era servida pelo
canto coletivo, um ritual no qual os cantos de trabalho determinavam a disposição
dos trabalhadores. Mas esse canto era diferente: regiam-no dois poetas
repentistas, improvisando seus versos, intermediados por um refrão. Ao invés do
som monocórdio das violas, o ritmo se dava pelo atrito das enxadas no solo e a
solfa, a melodia, repetia-se de uma fonte ancestral indeterminada.
Em minha tese de doutorado repeti
a primeira estrofe do folheto, que não colocarei aqui para obrigar o leitor a
buscar essa peleja com o próprio autor. Na época, afirmei ser uma das mais
belas aberturas de cordéis que eu já lera. Jorrava sensibilidade e a rima
certa, o metro perfeito: a exatidão. Prosseguia de forma idêntica por mais sete
ou oito estrofes até o narrador sair de cena e oferecer voz aos repentistas.
Dados os motes e os temas, lá iam eles capinando, como se a roça fosse uma
imensa catedral a céu aberto por onde ecoava o canto gregoriano dos que
afagavam a terra buscando sua misericórdia, a fertilidade.
O
autor construía, assim, o seu marco diferenciador: o registro de uma tradição
asfixiada. Pois bem, agora faço a apresentação deste novo trabalho do mesmo
poeta. Outra fase norteia seu trabalho. Com mais de duzentos títulos escritos,
já despediu-se a tempos dos escritos intuitivos, assumindo a rédea arrazoada do
seu fazer poético. Marca de sua produção é o seu compromisso social.
Historiador que é, transporta para seu cordel a reflexão sobre os fatos
decisivos da história nacional, leiam-se O massacre de Canudos e O cangaço sustentado por
coronéis.
Não
fica nisso, trafega pelo gracejo com desenvoltura. Veja-se o caso de Iniciação sexual na zona rural,
no qual cria, para a reflexão sobre os ritos de passagem ligados à sexualidade,
um ambiente de humor para suavizar as situações vexatórias típicas aos
pré-adolescentes. O seu nome inscreve-se na história do cordel brasileiro. Este
seu poema, que apresento, consolida o seu lado de humanista, preocupado com a
ética e com os caminhos da sociedade e, mais, é o texto agraciado com o Prêmio
Mais Cultura de Literatura de Cordel 2010 – Edição Patativa do Assaré. Varneci
Nascimento é referência do cordel em São Paulo. Como se diz em suas costas: — É
uma autarquia!
Dr. Aderaldo Luciano
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