Este cordel de Rodolfo Coelho Cavalcante ganhou uma
nova roupagem na reedição feita recentemente pela editora Luzeiro. Abaixo segue
a apresentação:
Os ABCs
sempre estiveram presentes por todo Nordeste e constituíam-se verdadeiras obras
poéticas, recitadas em várias ocasiões, por aquelas pessoas de mentes
prodigiosas, que conseguiam decorá-las e declamá-las nas “rodas de ouvintes”.
Foram a diversão de várias gerações que não tiveram a oportunidade de conhecer
o rádio e a televisão.
Ainda
criança, em Banzaê – BA, no pequeno povoado chamado Salgado, lembro-me que os
ABCs eram escritos a cada ano e sua leitura feita no Sábado de Aleluia, dia da
malhação do Judas. O texto normalmente composto em sextilha, ia além das letras
do alfabeto, visto que, a narrativa tratava-se do testamento que supostamente o
Judas deixara, e agora, com a sua morte, a herança teria de ser repartida com
os moradores daquele povoado. Cada estrofe falava de uma pessoa e nela deveria
constar algo característico: um defeito, uma virtude ou até um segredo do
herdeiro. Veja o exemplo abaixo:
Meu
prezado amigo Aloncio,
Gosta de
se diverti.
Deixo
uma corda de náilon
Uma
canga e um “canzi”
Tocador
de violão,
Cantador
de batalhão
Namorador
no Muriti.
A
personagem retratada é bem caracterizada pelo poeta Pedro da Silva Macêdo, pois
lhe deixa a corda de náilon e o canzil porque a “vítima” por assim dizer,
possuía uma junta de boi e tanto a corda quanto o canzil são instrumentos
essenciais em um carro de boi. O violão é devido ao herdeiro saber tocar; o
cantador de batalhão referia-se as improvisações que Aloncio fazia nos
batalhões e o namorador no Muriti, é porque estaria de caso com uma mulher
nesse povoado. São “verdades” e coisas comuns da vida da pessoa que aparecem na
composição literária.
No caso
do ABC de Judas variava muito a quantidade de estrofes dependendo de quantos
moradores seriam envolvidos naquela brincadeira. As vezes havia confusão por
causa do abc, sobretudo se alguém
estava encrencado com alguma pendenga e tinha medo de ser revelado no
Testamento do Judas.
Rodolfo
Coelho Cavalcante, nesta sua obra, cujo contrato de publicação foi assinado em
17 de julho de 1957 pela editora Prelúdio, antecessora da Luzeiro, colocou
apenas as letras do alfabeto, apesar de tratar de quatro temas: ABC dos
Namorados, do Amor, do Beijo e da Dança. O leitor compreenderá que, em
alguns casos, o texto está preso as circunstâncias do seu tempo, por exemplo
nas seguintes palavras: hontem, escrita com H; quilômetro
grafada com K. Uma mudança poderia perder o sentido do que o poeta quis dizer,
por esta razão recorremos à velha e famosa licença poética. O que também
justifica a sua manutenção é que esta unidade de medida abrevia-se por km.
As palavras quando
e cai, escritas com K, achamos por bem mantê-las, para não
descontextualizá-las, todavia alguma outra palavra que não mude o estilo do
autor e a compreensão do texto e do contexto, houve uma pequena adequação.
É bom que se diga
que o poeta tinha plena consciência quando alterou a grafia de algumas
palavras, para que os desavisados não continuem a pensar que sendo cordel, é
feito assim mesmo, e não tem problema de ser errado. Os que picham os
cordelistas de semi-analfabetos deveriam perceber com clareza, a evidência de
que Rodolfo recorreu a “licença poética”.
Aqui uma sincera e
fiel homenagem à memória deste homem que mais lutou em prol dessa arte.
A Rodolfo Coelho
Cavalcante
Que escreveu o ABC
dos Namorados,
Do
Amor e do Beijo pra o amante,
O
da Dança para os sapateados.
Obrigado querido
menestrel,
Por ser líder do
mais belo plantel,
Exigindo respeito
pra o cordel,
Fará parte dos
imortalizados.
Varneci
Nascimento
São
Paulo – Novembro de 2011
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