Nota. Este cordel de Firmino Teixeira do Amaral ganhou
uma nova roupagem na reedição feita pela editora Luzeiro. Abaixo segue a
apresentação da nova edição:
A peleja do Cego
Aderaldo com Zé Pretinho do Tucum, escrita por volta do ano de 1916, está entre
os clássicos do cordel brasileiro. Apesar do preconceito, presente em toda
narrativa, a obra ultrapassou esse limite, porque nela as pessoas veem que a
cor da pele e a cegueira não são obstáculos para nenhum ser humano chegar aonde
deseja. Todavia é necessário entender as circunstâncias em que a peleja foi
concebida.
Não que justifique, mas
na época, em que a obra foi escrita, o fim da escravidão ainda era recente na
história do Brasil. Foram mais de três séculos de exploração servil, violência
e assassinato. Várias gerações brancas oprimiram os negros, bem como milhões
desses irmãos nasceram condenados a privação da liberdade. Daí porque, uma
coisa entranhada por muitos séculos na cabeça das pessoas, aparece também na
pena de Firmino.
Aos cegos também faltou
apenas o trabalho forçado, mas quem tinha esta deficiência sempre foi condenado
a viver trancado, vítima duas vezes, da cegueira e da indiferença. A sociedade,
historicamente hipócrita, sempre lhe dispensou agressões, desrespeito e
humilhações.
Por muito tempo
atribuiu-se a autoria deste cordel ao próprio Cego Aderaldo, que nunca fez
questão de desmenti-la. As duas personagens, tanto o Cego quanto o Zé Pretinho,
são vítimas, dos mais nefastos preconceitos, um por conta da cegueira e o outro
pelo fato de ser negro, respectivamente. Talvez o preconceito contido no texto
fosse até inconsciente, porque enquanto o Cego não ganha a disputa, o negro é
exaltado por todos os presentes na cantoria e Aderaldo, mesmo diz que para Zé
Pretinho serviram um lauto jantar, a ele restou apenas um café e umas
bolachinhas minguadas.
No início da cantoria o
Cego Aderaldo começa a elogiar Zé Pretinho mas, este, se achando superior, por
supostamente pensar que o cego está distante da cultura, como se a cegueira
prejudicasse os outros sentidos, lhe ofende chamando de coxo, bruto, etc...
O guia de Aderaldo o
alertou para que tomasse cuidado com o Zé Pretinho, talvez por isso, Firmino
coloca na boca do Cego as seguintes palavras:
Então eu disse: — Seu
Zé,
Sei que o senhor tem
ciência —
Me parece que é dotado
Da Divina Providência!
Vamos saudar esse povo,
Com sua justa
excelência!
Mas essas palavras
elogiosas darão lugar a outras muito agressivas. Por isso, pesquisas mostram
que perto do fim da vida, o cantador que usara rabeca, instrumento incomum na
cantoria, teria pedido desculpas a comunidade negra, pelo seu cantar ofensivo.
Todavia, se o Zé Pretinho tivesse existido, certamente, por uma questão de
consciência moral, haveria de se redimir com os cegos, pelo seu tratamento
rude.
O valor literário dessa
obra é imensurável dada a sua capacidade de provocar reflexão em torno do
preconceito. O professor pode usá-la na sala de aula no debate dessa chaga
ainda presente em nossos dias. Avaliar a obra e não seu autor, é a prática
coerente dos bons críticos, portanto se alguém disser que Firmino seja o que
aparenta na peleja, pode cometer um erro. Questões a parte, este piauiense é
considerado um dos grandes poetas do Brasil, a quem o cordel lhe rende
homenagens.
A segunda história
contida nesta publicação é a Peleja do Cego Aderaldo com Jaca Mole, este primo
do Zé Pretinho. Como toda boa peleja segue na linha do desafio e demonstração
de conhecimento de ambas as partes. Mais uma vez o Cego sai vitorioso.
Varneci
Nascimento
Poeta
cordelista
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