segunda-feira, 5 de março de 2012

PELEJA DO CEGO ADERALDO COM ZÉ PRETINHO DO TUCUM



Nota. Este cordel de Firmino Teixeira do Amaral ganhou uma nova roupagem na reedição feita pela editora Luzeiro. Abaixo segue a apresentação da nova edição:

A peleja do Cego Aderaldo com Zé Pretinho do Tucum, escrita por volta do ano de 1916, está entre os clássicos do cordel brasileiro. Apesar do preconceito, presente em toda narrativa, a obra ultrapassou esse limite, porque nela as pessoas veem que a cor da pele e a cegueira não são obstáculos para nenhum ser humano chegar aonde deseja. Todavia é necessário entender as circunstâncias em que a peleja foi concebida.
Não que justifique, mas na época, em que a obra foi escrita, o fim da escravidão ainda era recente na história do Brasil. Foram mais de três séculos de exploração servil, violência e assassinato. Várias gerações brancas oprimiram os negros, bem como milhões desses irmãos nasceram condenados a privação da liberdade. Daí porque, uma coisa entranhada por muitos séculos na cabeça das pessoas, aparece também na pena de Firmino.
Aos cegos também faltou apenas o trabalho forçado, mas quem tinha esta deficiência sempre foi condenado a viver trancado, vítima duas vezes, da cegueira e da indiferença. A sociedade, historicamente hipócrita, sempre lhe dispensou agressões, desrespeito e humilhações.
Por muito tempo atribuiu-se a autoria deste cordel ao próprio Cego Aderaldo, que nunca fez questão de desmenti-la. As duas personagens, tanto o Cego quanto o Zé Pretinho, são vítimas, dos mais nefastos preconceitos, um por conta da cegueira e o outro pelo fato de ser negro, respectivamente. Talvez o preconceito contido no texto fosse até inconsciente, porque enquanto o Cego não ganha a disputa, o negro é exaltado por todos os presentes na cantoria e Aderaldo, mesmo diz que para Zé Pretinho serviram um lauto jantar, a ele restou apenas um café e umas bolachinhas minguadas.
No início da cantoria o Cego Aderaldo começa a elogiar Zé Pretinho mas, este, se achando superior, por supostamente pensar que o cego está distante da cultura, como se a cegueira prejudicasse os outros sentidos, lhe ofende chamando de coxo,  bruto, etc...
O guia de Aderaldo o alertou para que tomasse cuidado com o Zé Pretinho, talvez por isso, Firmino coloca na boca do Cego as seguintes palavras:

Então eu disse: — Seu Zé,
Sei que o senhor tem ciência —
Me parece que é dotado
Da Divina Providência!
Vamos saudar esse povo,
Com sua justa excelência!

Mas essas palavras elogiosas darão lugar a outras muito agressivas. Por isso, pesquisas mostram que perto do fim da vida, o cantador que usara rabeca, instrumento incomum na cantoria, teria pedido desculpas a comunidade negra, pelo seu cantar ofensivo. Todavia, se o Zé Pretinho tivesse existido, certamente, por uma questão de consciência moral, haveria de se redimir com os cegos, pelo seu tratamento rude.
O valor literário dessa obra é imensurável dada a sua capacidade de provocar reflexão em torno do preconceito. O professor pode usá-la na sala de aula no debate dessa chaga ainda presente em nossos dias. Avaliar a obra e não seu autor, é a prática coerente dos bons críticos, portanto se alguém disser que Firmino seja o que aparenta na peleja, pode cometer um erro. Questões a parte, este piauiense é considerado um dos grandes poetas do Brasil, a quem o cordel lhe rende homenagens.
A segunda história contida nesta publicação é a Peleja do Cego Aderaldo com Jaca Mole, este primo do Zé Pretinho. Como toda boa peleja segue na linha do desafio e demonstração de conhecimento de ambas as partes. Mais uma vez o Cego sai vitorioso.

Varneci Nascimento
Poeta cordelista

Nenhum comentário: